O Neo-sufismo de Arooj Aftab
Paquistanesa nascida na Arábia Saudita e radicada nos EUA, Arooj Aftab é ancestral e moderna ao mesmo tempo. No álbum Vulture Prince, a compositora recompõe e atualiza o gazal – poemas-canções agrupados em dísticos – e o canto qawwali da cultura sufi, combinando-os com o minimalismo de Terry Riley e Steve Reich, texturas jazzísticas e uma ambientação que remete aos antigos discos de Brian Eno, Harold Budd e Julius Eastman.
O canto Qawwali ganhou o mundo com Nusrat Fateh Ali Khan, através dos CDs lançados nos anos 1990 pelo selo Real World, de Peter Gabriel. A música de Aftab, porém, não resulta em uma salada de incongruências sonoras. “Herança é o que você herda de onde quer que esteja”, diz a compositora. “A música que faço foi além de uma tradição, é apenas singular para mim e como me sinto em relação à minha vida. Minhas raízes estão em todos os lugares em que já vivi e estive”.
O resultado é difícil de etiquetar e engavetar. Perguntaram-lhe à exaustão: “O que é a sua música?”. Sem saber o que responder, a compositora inventou um novo gênero para si e o batizou como “neo-sufi”.
Para Arooj Aftab, o que caracteriza a música sufi são o minimalismo e os motivos cíclicos na estrutura da composição. Sufi não é o som ou o estilo específico da música, mas o efeito que causa no ouvinte. Como uma droga, a música nos transforma e nos leva a lugares desconhecidos.
Inspirada pela estética erótica e espiritual de Rumi (século XIII), o maior poeta do Islã, Vulture Prince é o resultado arrebatador e profundo de uma música com o poder de evocação espiritual de séculos de tradição e uma produção moderna, aperfeiçoando o que outras cantoras paquistanesas, como Abida Parveen, vêm fazendo já há algumas décadas.
Vulture Prince apresenta uma produção sofisticada, justapondo muitas camadas sonoras que resultam leves à escuta. Com seis letras em urdu, o álbum conta, além de Rumi, com gazais de Mirza Ghalib e Hafeez Hoshiarpuri. É de Rumi a única canção com estrofe em inglês, Last Night, um inusitado reggae dub minimalista.
Em vez de usar o sitar, a flauta bansuri ou o harmônio, Vulture Prince tem a forte presença do violino de Darian Donovan Thomas , o violão de Gyan Riley (filho de Terry), a harpa de Maeve Gilchrist, o baixo e sintetizadores de Shahzad Ismaily. Em Diya Hai ouvimos o delicado e hipnótico violão da brasileira Badi Assad.
Vulture Prince deverá ser lembrado como um dos melhores discos do século XXI – é a nossa aposta. Original em sua ancestralidade moderna, a música de Arooj é um aggiornamento sufi para um um público laico e pós-religioso, com raízes por toda parte, herdeiro de várias culturas e universalista – como Arooj. E como Rumi, o místico muçulmano do século XIII que se transformou no poeta mais lido nos EUA.
O mais recente trabalho de Arooj é o trio Love In Exile, com o extraordinário pianista Vijay Iyer e Shahzad Ismaily. Sem discos lançados (por enquanto) mas com alguns vídeos esparsos na internet para quem quiser garimpar.
Ouça: Vulture Prince | Arooj Aftab (bandcamp.com)